Tuesday, April 03, 2007

OS NOSSOS IDOSOS
Triste da Sociedade que não respeita e não acarinha os seus idosos.
Desde sempre, se nasce, cresce e envelhece. É uma realidade a que ninguém pode fugir. Os que hoje são idosos já foram jovens no passado e ajudaram a construir, com o seu trabalho e saber, o mundo de hoje.
Os nascimentos são cada vez menos e com o avanço da medicina as condições de saúde vão melhorando, fazendo com que a nossa expectativa de vida aumente cada vez mais. No entanto, continuamos a dar pouca atenção aos idosos. Só os consideramos bons se eles se mantiverem quietos no seu canto. Até em alguns lares isso acontece, as condições técnicas são, na maioria, boas mas a parte que valoriza o idoso é posta de lado. O idoso devia envolver-se em projectos que poderiam ser muito úteis para a sociedade.
Há uma grande incidência de depressão nos idosos. É compreensível ele tem de lidar com uma quantidade de perdas: dos amigos que a morte levou, do trabalho, da auto-estima, do poder dispor da sua vida a seu belo prazer e ainda tem de lidar com a gradual perda de saúde.

A sociedade volta-lhe as costas porque não se quer ver ao espelho que os idosos representam , e não suportam imaginar-se no lugar deles, quando a velhice lhe bater à porta.
O texto que se segue é pura ficção. No entanto, penso que se pode encaixar em muitos idosos, que perderam os companheiros e vivem completamente sozinhos nas suas casas, noutros tempos, partilhadas com o companheiro/a e com os filhos.

UMA HISTÓRIA DE AMOR


A janela aberta deixa entrar a brisa fresca da tarde. O gato sentado no parapeito da janela, como ele gosta, o fogo a crepitar na lareira, lá fora as aves preparam-se para arranjar um lugar para dormir, ultimamente escolheram aquela árvore junto da janela do nosso quarto, parece que também elas querem companhia. Estou sentado na cadeira do costume, a solidão teima em fazer-me companhia e a casa está tão silenciosa. Desde a tua partida que a casa não é a mesma, ainda me lembro quando ias para as hortas, logo pela manhã, e deixavas os filhos em casa. As sopas de café ficavam em cima da mesa para eles comeram quando acordassem. Os mais velhos deveriam tomar conta dos mais novos mas o entusiasmo da brincadeira era tanto que quando chegavas tinhas a casa de pernas para o ar, as casinhas feitas, por eles, com os cobertores atados aos ferros das camas, e brinquedos espalhados por todo o lado era o cenário encontrado. Ficavas zangada mas era por pouco tempo eles estavam tão felizes. Que saudades desse tempo.

Os filhos cresceram e saíram de casa, mas tinham-nos um ao outro, as terras continuavam cultivadas e os animais no curral alimentados. Mas tu partiste e tudo mudou. Está ser difícil habituar-me à tua ausência. Tento cultivar a horta mas já não tenho forças e os filhos estão longe e tem as suas vidas. Os animais, acabei com eles, só me restam duas galinhas e o gato.

O teu jardim, tento mantê-lo cuidado como era teu costume. Meu Deus, como tu gostavas de flores. Tinhas o cuidado de ter sempre uma jarra com flores frescas na mesa da sala da entrada e se o jardim se esquecia de florir ias para o campo e trazias um ramo de flores silvestres.

Os amigos, que me faziam companhia, já partiram quase todos. Resta-me esta vida solitária. Ainda tentei ir viver com os filhos. Todos me tratavam bem, mas, “galinha do campo não quer capoeira”, como diz o ditado popular, e antes quero estar na casa que nós partilhamos mais de 40 anos, do que naquelas gaiolas onde eles vivem. Enquanto puder sair de casa e ir sentar-me ao pé da oliveira, onde tantas vezes nos sentamos para descansar e conversar, e voltar para casa não saio daqui. Tenho saudades das nossas conversas, conversávamos de tudo, fazíamos o balanço das nossas vidas e falávamos da educação dos nossos filhos. Apesar do trabalho árduo, ainda tínhamos tempo para nos sentar e conversarmos. Hoje o tempo parece que é mais curto, ou talvez haja mais distracções, a televisão, a Internet. Hoje as pessoas tem cada vez mais pressa. Não há tempo para se conversar. Os pais não ouvem os filhos e os filhos não ouvem os pais.

Os nossos filhos continuam a viver na cidade mas telefonam-me todos os dias e, todas as semanas vem um deles para ver como estou, lavam a roupa e fazem uma limpeza à casa mais completa. Eles esforçam-se para que eu esteja bem. O diálogo com eles é, por vezes, complicado. Eles vivem noutros meios e vem sempre com o tempo contado. Eu finjo que não percebo mas a solidão é cada vez maior. A culpa não é deles é a vida que os obriga a terem outras prioridades . Eles irão descobrir que as prioridades da vida vão mudando à medida que vamos envelhecendo. No entanto sei, que apesar da boa vontade, não estarão disponíveis para me tomarem a seu cargo, quando eu não puder estar sozinho, como nós fizemos com os nossos pais.

Espero não ser despejado e esquecido numa casa de repouso. Deus é grande e não terei de acabar os meus dias num lugar desses. Quero continuar a viver na nossa casa até morrer. Como é que poderia ser feliz fora desta terra onde sempre vivi? Não sei ler nem escrever, mal sei assinar o meu nome e ligar o telefone para os filhos. Lembras-te, antigamente eram poucos os que iam aprender a ler e a escrever, tu também não aprendeste, fazíamos falta para trabalhar nas terras, era de lá que se tiravam os alimentos que alimentavam as pessoas e os animais e estes por sua vez forneciam-nos o trabalho e a carne. Não havia dinheiro para comprar alimentos, os ovos eram trocados por sardinhas e cada sardinha era dividida por três. Aprendi a arte de resineiro, era um trabalho duro, mas eu gostava. Tinha de sair de casa de madrugada para não apanhar muito calor, ainda me lembro de como era bonito ver o dia a clarear pouco a pouco, toda a natureza se espreguiçava à espera que o sol nascesse. O sol ia aparecendo estendia os seus raios parecendo abraçar tudo e todos.

Quando casamos eras tu que tratavas, praticamente sozinha, das nossas terras. Eu resinava os pinheiros e essa faina ocupava-me quase todo o dia, quando podia ou quando era o tempo das sementeiras ajudava-te. Era com o dinheiro da venda da resina que comprávamos o que nos fazia falta e de vez em quando vendíamos alguns pinheiros e vinha mais algum dinheiro. Esse rendimento acabou, para mim e para outros quando, em 1986, um terrível incêndio consumiu quase toda a floresta do nosso concelho. Se eramos pobres mais pobres ficamos.

Como a vida muda, nascemos no seio de famílias numerosas. Trabalhava-se muito para dar de comer a tanta gente. Os mais velhos eram respeitados pelos mais novos, os filhos pediam a benção aos pais e avós. Hoje há menos respeito. Os filhos tratam os pais por tu, no meu entender não fica bem. Sei que tu não te importavas e dizias-me que não era por um filho tratar os pais por tu que lhes tinha menos respeito. Não me convencias e continuo a achar que há liberdade a mais e os pais não prepararam os filhos para essa liberdade. Conheço pais com filhos que enveredaram pelo caminho da droga e não sabem o que fazer para lidar com esse problema. Por vezes pergunto-me se é positivo obrigarem os jovens a estudar tantos anos e a maioria começar a trabalhar para lá dos 20 anos. Os jovens de hoje, no meu entender tem liberdade a mais e ocupam os seu tempos livres, muitas vezes, de um modo pouco aceitável. Não compreendo porque é que todos são obrigados a andar tanto tempo na escola.

A nossa foi a escola da vida, começamos a trabalhar muito jovens, naquele tempo não era considerado trabalho infantil, trabalhávamos de sol a sol e não havia tempo para estudar e a diversão existia graças a muita imaginação. Ao fim do dia a malta nova juntava-se a qualquer pretexto, por vezes ir buscar água à fonte servia para: namoriscar, galhofar ou fazer um bailarico Foram tempos de muito trabalho, alguma pobreza, mas muita alegria. Eramos dependentes dos pais só nos tornávamos autónomos depois de casar ou por morte deles, até lá todo o trabalho e todo o dinheiro ganho era gerido pelos nossos pais. Ter filhos, nessa época, era um investimento, todos os braços eram poucos para trabalharem as terras. Os nossos filhos ainda fizeram o mesmo. Até casar deram-nos o dinheiro que ganhavam. Hoje passa-se o contrário, os filhos são um encargo para os pais. Nós não nos podemos queixar os nossos filhos sempre nos respeitaram e os netos também. Ainda hoje, que estou sozinho, todos se dão bem comigo e não andam por maus caminhos. Todos estudam e são bons alunos. Alguns já são formados. Todos gostam de me visitar e fazem questão que eu os visite, pelo menos nos seus aniversários.

A nossa aldeia não parece a mesma; as estradas, a luz e a água vieram tarde de mais. Quando era necessário ir buscar água à fonte, fonte de mergulho (a fonte encontra-se em ruínas é uma pena, matou a sede a muita gente e foi um local de encontro no fim de um dia de trabalho), as ruas eram cobertas de pó no Verão e lama no Inverno, havia gente por todo o lado. Agora a nossa Aldeia está praticamente despovoada.
O abandono acentuou-se na década de 60 com a emigração, primeiro para o Brasil e para a América e depois para a Europa: França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça. A nossa Aldeia é pequena mas tem gente a viver nos quatros cantos do mundo.

Os que não saíram para fora do país, migraram para a cidade como aconteceu com os nossos filhos.

Também a guerra colonial obrigou muitos rapazes a saírem de cá, depois da tropa cumprida, quase todos, arranjavam emprego fora daqui.
Agora pouca gente vive cá, só os idosos como eu. Quando partirmos, os da minha geração, as aldeias tem tendência a desaparecer. Os campos há muito que deixaram de ver uma enxada e as hortas, de outros tempos, transformaram-se em lameiros onde as silvas são rainhas e as noras, que tiravam a água dos poços para regar os campos, estão corroídas pela ferrugem. As casas, muitas delas estão vazias e a maioria está em ruínas. Vão recuperando algumas mas só para férias ou fins-de-semana.

Algumas dessas ruínas apresentam perigo iminente de derrocada pondo em risco, pessoas e bens, em meu entender, deveria ser obrigatório conservar as casa em bom estado e se os donos não puderem fazer as obras, deveriam ser demolidas. Aflige-me a existência de silvas dentro da aldeia, junto de casas de habitação, no incêndio de 2003, foram a causa do fogo entrar dentro da Aldeia. No passado tudo era cultivado, se não fossem os donos a fazê-lo arrendavam as terras aos residentes. Sou idoso mas conservo alguma juventude, gosto de ver o pôr do sol, regar o jardim, de falar com amigos e sobretudo falar com os jovens para tentar compreender a realidade de hoje. As mudanças foram muitas e muito rápidas e não é fácil aceitá-las, se estivesses comigo ajudavas-me. Tu eras mais aberta às mudanças.

Tento não me preocupar muito, quem vier atrás que feche a porta, com diz o povo. No entanto, tenho a certeza que no futuro vão tomar medidas para repovoar a nossa linda terra.

Portugal, dizem que é um dos países onde o envelhecimento é maior, precisa de gente ou deixará completamente de existir. O concelho de Vila de Rei é um exemplo desertificação, se algo não for feito, rapidamente, muitas das suas aldeias desaparecerão, o que seria uma pena. Desde os incêndios de 1986 e 2003 o concelho ficou sem floresta. Se não fossem as pequenas reformas os idosos ou morriam à fome ou viviam à custa dos filhos. Tem-se tentado algumas iniciativas para trazer as pessoas de volta, mas muito mais tem de ser feito: criando empresas rentáveis, fazer projectos turísticos, nomeadamente na área do desportos radicais já que temos um relevo propício para o efeito e desenvolvendo passeios pedestres.

As obras e o comércio já empregam muitos estrangeiros. Também na agricultura teríamos lugar para eles, beneficiando as terras do interior como é o caso do nosso concelho. E quem sabe se lhe dessem condições eles não trariam um pouco de ternura e conforto aos idosos das nossas aldeias e eles se sentissem menos sós.

Minha querida estou a ser egoísta, sei que nunca serei abandonado pelos filhos. Queria tanto envelhecer na casa onde vivemos e onde nasceram os nossos filhos poder olhar os campos tranquilamente e recordar os momentos que me fizeram feliz.

Aos 80 anos, tive de aprender a viver de novo. Sei que me estás a ver e queres que me sinta bem. Penso muito em ti, foste uma mulher fantástica e uma mãe extremosa. Tenho muitas saudades.
Agradeço a Deus pelos amigos, pelos filhos e sobretudo por te ter encontrado e vivermos a nossa história de amor.

Até breve